Existe sentido para a morte ou para o luto?


Há um sentido para a morte?
E para o luto?

Pelo meio do Outono, quando a flora despida de folhagem nos contagia de frio e, do céu, as lágrimas de chuva nos alimentam a nostalgia, acorremos aos cemitérios, por ritual ou sentimento profundo, para conviver com um passado apaziguado ou ainda fervilhante de dor. A morte é, pelo menos durante um dia, tema de reflexão pública. Mas, perante tal prática, será que aceitamos, de facto, a morte? Admitiremos, na verdade, a necessidade do luto? Sendo a única certeza que nos acompanha durante a vida, o seu termo, desejamos que nos venha colher lá bem longe em idade, quando já tivermos experimentado muitos dos doces sabores que a existência nos proporciona. Esta caminhada é regulada pelos afectos, um instinto de importância tão decisiva na vida quanto a necessidade de alimento que nos leva a estabelecer vínculos muito fortes, como o amor e a amizade, com determinadas pessoas. Cimentamos laços de partilha, emocionamo-nos com a sua sensibilidade e reagimos negativamente à sua indiferença. Os afectos são, portanto, a mola que nos impulsiona para a vida. Tendo consciência do seu valor particular e intenso, poderemos adivinhar os sentimentos experimentados por quem de súbito fica privado da pessoa que generosamente concede esta indispensável parcela de bem- estar. Numa sociedade que valoriza sobretudo o que é aparente, cada vez mais implacável para com quem justificada ou injustificadamente fraqueja, a derrota é sentida como inadmissível, mesmo a que nos é imposta pela própria vida. Reflictamos um pouco. A morte é sempre aceitável.
Sendo tão natural quanto a vida, é a sua consequência inevitável. Pode cruzar-se connosco em qualquer passo do caminho da nossa existência. Simplesmente acontece. Por isso, deveríamos recebê-la com serenidade, como um acto de reconhecimento pelos momentos de felicidade que tivemos o privilégio de desfrutar. Assim, o pensamento sobre a despedida da vida deixaria de constituir em nós uma obstinação, quantas vezes mórbida, sobre uma fatalidade para se transformar num tranquilo crepúsculo sobre o bem mais supremo que possuímos. Mas, aceitando deste modo a morte, deixaríamos de sofrer a perda de afectos que ela significa? Não. Em qualquer momento que sejamos apartados do prazer do amor ou da amizade em relação a uma pessoa querida, mesmo que seja previsível esse desfecho (como o caso extremo de uma doença terminal), existe um tempo de que necessitamos para transformar os belos momentos de partilha que com ela partilhámos em doces e suaves memórias. É o tempo do luto. Após o choque que sentimos com a notícia da perda, porque não estamos preparados emocionalmente para nos vermos privados de sentimentos tão importantes para a nossa estabilidade emocional, erguemos todas as barreiras de que dispomos para tentar não deixar fugir os afectos de dentro de nós. Negámos a realidade da perda, mesmo vendo-a perante os nossos olhos. “Como é possível que tal tenha acontecido?”, “Não pode ser verdade que tenha ocorrido tamanha tragédia!”: eis algumas das expressões da incredulidade em que necessitamos de acreditar. Tentamos, em vão, uma explicação para o que não tem solução.
A morte é injustificável. O tempo, no entanto, decorre. O telefone toca, mas no outro lado deixou de estar quem esperávamos. Na rua, ouvimos uma voz, vemos uma imagem, mas não correspondem às que desejávamos ouvir e ver. Quando finalmente sentimos ser irreversível esta ânsia de reencontro com a pessoa perdida, caímos num estádio de angústia profunda, de amputação, de verdadeira derrota perante a vida. É a dor lancinante da perda, o mais profundo sofrimento do luto. E o tempo prossegue, imparável. Embora experimentemos sentimentos, emoções e comportamentos estranhíssimos em relação ao que julgávamos que conhecíamos de nós próprios, embora nos sintamos quase a enlouquecer de saudade, acabamos, lá bem adiante, por reencontrar o ameno agrado que só a vida nos concede. É esta a expressão do luto saudável. É um caminho que não pode ser ultrapassado ou escamoteado. Tem de ser percorrido, passo a passo, com todo o tormento que implique, como uma demonstração da dimensão do amor perdido. E não pode ser um caminho exclusivo de solidão. Ainda que os sentimentos que nos ligavam ao ente querido nos sejam muito íntimos, não só nos devemos abrir à sociedade na partilha da dor do luto como esta tem a obrigação de nos aceitar e ajudar.

Comentários

eu que te amei disse…
Em silêncio, muitas vezes interrogo-me sobre o mistério da criação, mas a reflexão paira sempre sobre as razões da morte e do caminho que percorremos até ela. Perdi alguém que era muito especial para mim. Sinto-me vazia e não sei bem ainda como continuar. Procuro explicações, procuro na net pessoas que passam por momentos como estes, procuro palavras, procuro... nem sei bem o que procuro
Qual o sentido para a morte?
http://reisesteves.blogspot.com/

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